domingo, 6 de julho de 2014

PROSA - Ligue não!

   Quando você ouvir no jornal da televisão que homicídios não geram inquéritos e que mesmo sem a PEC 37 os intocáveis preferem as salas refrigeradas, ligue não. Há no calor das ruas um país que se garante pelo suor do seu povo.
Quando você vir nos jornais impressos fotos de tiroteio entre gangues, policiais baleados ou baleando inocentes, ligue não. Há nas casas dos brasileiros, prisioneiros do medo, famílias que ainda fazem por merecer o futuro dos filhos.
Quando você vir roçado de feijão sem ter trabalhadores para a colheita porque o “bolsa-família” é suficiente para a pinga da bodega, ligue não. Ainda há, mesmo na pobreza, quem viva do próprio trabalho dispensando os auxílios da moda.
Quando você for bombardeado por campanhas caras, pagas com dinheiro público, dizendo que a vida tá melhorando, mesmo que a realidade desminta cada fantasia, ligue não. Um dia os estrangeiros voltarão ou, quem sabe, haverá governo. Mesmo que seja apenas para que se tenha o direito de ser contra.
Quando você se dispuser a ler manchetes anunciando o combate à impunidade apenas para lustrar vaidades, sem a real compensação ao custo da grana pública, ligue não. Um dia a força do ego acostumar-se-á ao mel da fama e não se lambuzará ao gosto azedo da exibição.
Quando você ouvir discurso de candidato renegando o desaforo de ontem e pondo no altar o novo santo aliado, ao mesmo tempo em que oferece a labareda do inferno ao santo de ontem, ligue não. Um dia, nas grotas da História, alguma pena ferina vingar-se-á.
Quando você perquirir algumas biografias e descobrir que nelas há muito mais de feio do que a feiura apontada nos outros, ligue não.  É da natureza dos puritanos esconder a própria sujeira no dedo que aponta.
Quando você for assaltado e procurar uma delegacia para prestar queixa e em vez de ver providência ouvir risos irônicos e comentários de que teve sorte de estar vivo, ligue não. A esculhambação da “segurança pública” tomou conta de tudo e você é apenas uma estatística.
Quando você procurar um hospital e lá não houver maca, nem leito, nem esparadrapo, nem médico, nem atendimento, ligue não. Tá na Lei Maior: “Saúde é direito de todos e dever do Estado”.
Quando você, servidor do Estado, ganhando mais de cinco mil reais, com dois filhos deficientes, mulher obesa e mãe paralítica, contas a pagar em dias certos, e mesmo assim não receber o seu salário dentro do mês, como determina a Constituição, ligue não. Você é apenas uma porcentagem minoritária.
Quando lhe for dito que a Petrobrás é um exemplo de produtividade, honestidade e progresso, ligue não. Ouça pra não ser deseducado, mas duvide pra não ser idiota.
Quando você vir repórteres inteligentes derramando-se de prazer ao filmar um ídolo de futebol chegando de helicóptero, ligue não. Seu ônibus não chegou porque os motoristas estão passando fome. Té mais.

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